Meu texto hoje, é uma indicação de um livro. E parte de um momento onde o tempo para mim é precioso. O momento de estar com minhas filhas. E aos poucos nessa tarde, lá vem uma delas (a adolescente). Entra em meu escritório e começa a mexer nos livros. Observo. Indico a leitura de um livro que curti de montão. E sei que tem muita mãe por aí que vai ficar horrorizada....rs...e como educadora que também gosta muito de estar com adolescentes "desajustados", fica a dica para os colegas de profissão: CLEO E DANIEL - de Roberto Freire.
Mas afinal, quem é esse cara???
Roberto Freire, nasceu em São Paulo, no ano de 1927. Formou-se em Medicina e como bolsista da Unesco, continuou seus estudos no Colège de France em Paris. Alternava o consultório particular com o de fábricas, para tornar-se psicanalista.exerceu por alguns anos a profissão e abandounou definitivamente a medicina. Paralelamente a atividade científica, interessou-se sempre por literatura e teatro. No teatro, iniciou pela atividade didática, sendo por algum tempo professor de psicologia do ator, na Escola de Arte Dramática de São Paulo. Escreveu peças e com o TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo), participou da conquista do grande premio do Festival Universitário de Nancy, na França, em 1966. O mais legal mesmo foi seu lado social e político. Participou da Campanha Nacional de Alfabetização pelo sistema Paulo Freire e idealizou a Campanha Nacional de Popularização do Teatro, além de ser membro do Conselho Nacional de Cultura. Essas atividades, somadas ao de diretor do semanário católico Brasil Urgente, levaram-no duas vezes à prisão e a responder IPMs em 1964. O romance CLEO E DANIEL, foi escrito durante o período de desemprego forçado pelas condições políticas. Foi transformado posteriormente em roteiro cinematográfico e foi filmado sob a direção do autor. Roberto Freire era divorciado e tinha três filhos homens e músicos. Morreu em 23 de maio de 2008, aos 81 anos.
" Esperei muito tempo por você. Meu nome é Rudolf Flügel. Como os mendigos e as putas, a gente logo percebe quais os que vão parar diante de nós para a oferenda. Para esses não estendemos as mãos. Com eles não trocamos o que temos, mas o que somos. Você está diante de mim, com os olhos abertos. Prontos para que eu escreva livremente sobre eles. Tudo. Sim, tudo. Porém do jeito que sugeriu Henri Michaux: Nada da imaginação voluntária do profissional; nem temas, nem desenvolvimento, nem construção, nem método; ao contrário, apenas a imaginação e a impossibilidade em conformar-se".
Palavras do autor:
"....Todo jovem sincero e inteligente intui qual o futuro de seu amor na sociedade em que vivemos. Ele sabe que o beijo das horas de Cleo e Daniel na Praça da República, o banho na cachoeira do parque, por exemplo, podem acabar diante de uma televisão, assistindo novelas, também por exemplo. Sabem que a mediocridade asfixiante da classe média pode levá-los a necessitar o destelhamento de suas casas e, em seguida, serão levados ao sanatório e ao eletrochoque. Enfim, sabem que é o amor o contrário da morte, não a vida, não qualquer vida. Mas sabem também que a vida que lhes é imposta significa a morte do amor'.
Cléo e Daniel é o impossível caso de amor entre um casal de jovens sensíveis e considerados pela sociedade como "desajustados". Primeiro romance de Roberto Freire, lançado em 1966, escandalizou o país com sua linguagem contemporânea e contundente. Foi considerado um “Romeu e Julieta” nacional. Dois adolescentes, de quinze e dezessete anos descobrem e vivem o amor total, e por isso mesmo são caçados pela população da cidade de São Paulo. Com mais de trinta anos, continua um romance atual e interessa igualmente à juventude.
O livro, que não tem uma estrutura lineal definida, se passa em três planos diferentes. Primeiro, a relação de Rudolf Flügel com Benjamin e tudo o que daí decorre: «Benjamin. Ele é baiano. Preferiu viver em São Paulo porque adora o deserto. [...] Negro, retinto, há quase quarenta anos Benjamin é poeta, antropologista, filósofo e solteiro. Como tudo isso não rende dinheiro algum, tornou-se o mais completo tradutor da cidade.» (Pg. 11-12) Segundo, a cafetina francesa Gabrielle, de mais de sessenta anos, seu Bar do Viajante “Requiescat in Pace” e a turma de homossexuais velhos, os “elefantes”, que o freqüentam. O terceiro núcleo seria o composto por Cléo, Daniel e amigos como Marcus. Rudolf entra em relação com cada um dos personagens. E logo, como quase sempre, tem alguns personagens secundários que, em muitos dos casos, são tanto ou mais importantes que os principais, por causa de algumas das palavras que o escritor faz-lhes dizer ou ouvir da boca do protagonista.Desta vez, não é a minha intenção fazer o resumo do romance. A história que explica o livro não é só uma, é várias. Do total de 261 páginas de que consta a edição que usei, encontrei na 206 o que se pode considerar como a síntese temática de Cléo e Daniel: «Mais especificamente, o mito de Rudolf é este: devorar a esfinge em lugar de decifrá-la. E seguir o itinerário da solidão, percorrendo os caminhos do sexo, da loucura e da morte.»A relação entre Rudolf e Benjamin explora a natureza do sexo e do amor, ou, melhor ainda, da perda do amor, no que depois se revelara como uma das teses principais do livro: a inexistência do amor é a causa da natureza torcida da humanidade. Benjamin e Rudolf dividiam, quando ainda nem se conheciam, amizade e corpo com Beatriz e Madalena. Beatriz, a pintora, divide apartamento com Fernanda, a atriz. Amante das duas, Rudolf deixa grávida Fernanda, fato que o afunda na desesperação. Mais ainda quando Fernando e o filho morrem no parto.O “Requiescat in Pace” simboliza o lugar não aceito pela sociedade burguesa, o bar dos danificados e excluídos. A cafetina e as suas prostitutas, os quartos, e essa turma dos “elefantes” que passa os dias e as noites nessa atmosfera lúgubre, descrita por Rudolf, não julgada. A ação no “Requiescat...” começa com a morte de uma das putas e acaba com a morte do local por fechamento e partida da proprietária Gabrielle. Por vezes o leitor tem a sensação que Rudolf deixou o consultório pelo bar. Como se o senhor psiquiatra tivesse deixado de ver as pessoas de acima para vê-las de lado.E finalmente Cléo e Daniel. Cleo é uma menina que foi forçada a abortar pela sua mãe, digna representante da sociedade opulenta que Freire quer criticar e que não pode suportar a idéia da gravidez de uma filha adolescente. Pai, mãe e sua filha não convivem bem. Assim, Cléo vive de festa em festa, tomando comprimidos quantas vezes for preciso até que um dia sua mãe a leva ao psiquiatra. Ali Cléo entra em contato com Rudolf... e com Daniel. Pela sua vez, Daniel chega até Rudolf a través de Marcus, seu amigo pederasta que vem pedindo pílulas para seu amigo adito. Daniel vive aprontando, agride os seus pais, falta à escola e se revolta contra tudo o que está no seu redor. O encontro com Cléo tinha que ser inevitável. O desejo também. E o amor As duas criaturas decidem acabar com a vida juntas, uma alimentando com pílulas azuis a outra, e vice-versa. Saem à rua e, em vez de pedir ajuda, afirmam ter encontrado a paz. São pegos pela polícia e morrem diante da autoridade, despidos, abraçados, num beijo eterno.